Manipular o sistema climático com geoengenharia


É possível manipular o sistema climático da Terra de forma a evitar que o aquecimento global atinja níveis perigosos, sugere estudo de pesquisadores dos Estados Unidos. Com isso, propostas de geoengenharia ganham um novo fôlego no debate a respeito de como lidar com as alterações climáticas do futuro.

A geoengenharia se refere a um amplo conjunto de métodos e tecnologias cujo objetivo é causar deliberadamente alterações no sistema climático a fim de aliviar os impactos das mudanças climáticas. Em geral, a geoengenharia atua por meio da redução da quantidade de energia solar absorvida pelo planeta ou por meio da remoção de dióxido de carbono – CO2 – da atmosfera.

O tema é bastante controverso dentro e fora da comunidade científica, em especial devido às características da geoengenharia. Em primeiro lugar, ela pode afetar a atmosfera, os oceanos ou a superfície terrestre em escala global ou regional, ultrapassando as fronteiras nacionais. Em segundo lugar, há a possibilidade de trazerem efeitos não intencionais significativos.

Nesse sentido, alguns estudos anteriores utilizaram modelos computacionais do clima para analisar as consequências de alguns dos métodos de geoengenharia propostos. O objetivo era descrever os resultados, tanto positivos quanto negativos, do método ou tecnologia sob avaliação. No novo estudo, os pesquisadores adotaram uma abordagem diferente. O foco foi investigar como utilizar a geoengenharia para alcançar objetivos climáticos específicos.

O método avaliado no estudo foi a injeção de dióxido de enxofre – SO2 – na estratosfera, uma camada superior da atmosfera. Gás incolor e de cheiro forte, o SO2 é proveniente da queima de biomassa ou de combustíveis fósseis ou de erupções vulcânicas. Ele é classificado como um poluente, cujo efeito na saúde está relacionado à irritação do sistema respiratório, podendo levar a agravamento de problemas respiratórios e cardiovasculares.

O gás é famoso por causar a chuva ácida. Mas uma vez na estratosfera, ele reage com outras substâncias e produz sulfato, uma partícula atmosférica classificada como aerossol. Entre as propriedades físicas do sulfato, inclui-se a capacidade de refletir a luz solar. Eles permanecem na atmosfera por alguns anos, sendo espalhados por ventos estratosféricos, formando uma camada reflexiva. Dessa forma, contribuem para resfriar o sistema climático.

Esse efeito se observa após grandes erupções vulcânicas. A última delas, em 1991, ocorreu quando o Monte Pinatubo entrou em erupção, emitindo cerca de 20 milhões de toneladas de SO2 até 60 quilômetros de altitude. Os sulfatos produzidos a partir do dióxido de enxofre na estratosfera diminuíram a absorção de energia solar pelo planeta. As temperaturas médias globais dos dois anos subsequentes caíram em cerca de 0,6oC.

Para investigar variações na localização geográfica e na quantidade de injeções de SO2, os pesquisadores aprimoraram um modelo climático global. Foram incorporados os processos químicos envolvidos na formação e evolução do sulfato na atmosfera, bem como ajustada a descrição dos ventos estratosféricos na região tropical. A eficiência do modelo foi testada justamente na simulação da erupção do Monte Pinatubo e suas consequências no clima ao redor do globo.

Em seguida, explorou-se os efeitos da injeção de SO2 em 14 possíveis locais distribuídos por sete latitudes e duas altitudes diferentes. O resfriamento ocorreu de modo mais uniforme em todo o mundo a partir de pontos ao norte e ao sul do equador. Os pesquisadores então projetaram o aquecimento global entre o ano de 2020 e 2100, considerando um cenário de altas emissões.

O modelo foi instruído, por meio de um algoritmo, a manter a temperatura média global no mesmo nível registrado em 2020. A partir das condições registradas em cada ano, o modelo calculava qual o melhor entre quatro locais de injeção de SO2 pré-definidos, e também a quantidade de material a ser lançado na estratosfera.

Apesar do aumento das concentrações atmosféricas de gases de efeito estufa, os resultados mostraram que as temperaturas permaneceram no mesmo nível do ano de 2020 de modo espacialmente regular. Consistiu na primeira demonstração da efetividade de um método de geoengenharia em limitar o aquecimento global, de acordo com um nível específico.

Contudo, os resultados exibiram algumas limitações. Registrou-se algumas vezes flutuações regionais e sazonais nas temperaturas mais frias ou mais quentes do que o desejado. Ao mesmo tempo, a quantidade de dióxido de enxofre que deveria ser injetada a cada ano para compensar o aquecimento global cresceu significativamente com o passar do tempo. No final do século, representava quase cinco vezes a quantidade de material lançada no ar pelo Monte Pinatubo.

Outros importantes aspectos da geoengenharia ainda demandam maior compreensão, alertam os pesquisadores. Existem efeitos não intencionais, como, por exemplo, impactos sobre padrões regionais de precipitação ou sobre a camada de ozônio. A injeção de grandes volumes de SO2 na estratosfera implica no desenvolvimento de tecnologia e métodos ainda inexistentes. E outras consequências do aquecimento global, como a acidificação dos oceanos, continuariam inalteradas.

O estudo sugere que a geoengenharia é uma possibilidade ainda remota. E também que ela não é uma resposta simples ou fácil ao aquecimento global.

Fonte: NCAR/UCAR
Imagem: UCAR – mapa com o resultado da simulação da temperatura sem (coluna à esquerda) e com (direita) ações de geoengenharia

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