O elo entre mudanças climáticas e escravidão moderna

Há um nexo entre a degradação ambiental, as mudanças climáticas e casos de escravidão moderna, sugeriu relatório de uma universidade do Reino Unido. O aumento da escravidão moderna constitui uma das crises por que atravessa o mundo na atualidade.

Os pesquisadores realizaram uma revisão da literatura científica e de outras fontes publicada recentemente, no qual a relação entre a escravidão moderna, a destruição ambiental e as mudanças climáticas foi investigada. Eles sintetizaram o conhecimento reunido até o momento sobre o tema.

A primeiro dificuldade diz respeito à definição do que seja escravidão moderna. No passado histórico, a escravidão era legal e institucionalizada. Mas no mundo contemporâneo, banida por todos os países e por tratados internacionais, a escravidão tende a ocorrer em espaços ilegais e marginalizados.

Segundo o relatório, entre as características centrais da escravidão moderna, incluem-se a perda do livre arbítrio, a imobilidade, o uso da violência ou da ameaça da violência, e a exploração econômica.

Foram identificados quatro principais setores nos quais a literatura abordou a relação entre escravidão, destruição ambiental e mudanças climáticas: pesca, agropecuária, florestas e fábricas. As regiões mais estudadas foram o Sul da Ásia, a África Subsaariana e a América do Sul.

Na Tailândia, a demanda internacional por frutos do mar, associado a um conjunto complexo de outros fatores, levou à situações de endividamento e exploração abusivos dos trabalhadores. Uma indústria pesqueira ilegal e pirata utiliza a dívida dos pescadores como forma de servidão.

Além disso, a indústria pirata promove a sobrepesca e a degradação do ecossistema marinho. O declínio dos estoques pesqueiros agrava as condições de exploração dos trabalhadores.

O Brasil é um dos destaques do relatório. Estimativas apontaram que no país cerca de 250.000 pessoas estão submetidas a algum tipo de trabalho escravo, geralmente através do uso de dívidas como forma de servidão. Entre aqueles que se aproveitam da escravidão moderna, estão os produtores de carvão, a pecuária e a indústria canavieira.

Outro vetor da escravidão no Brasil é o desmatamento da Amazônia. Quase a totalidade da derrubada da floresta é ilegal, e muitas vezes se dá em terras griladas, ocupadas irregularmente. Junto ao desmatamento surgem abusos e exploração do trabalho em condições de escravidão.

A desigualdade brasileira e a acentuada concentração da propriedade da terra também contribuem para a prevalência do trabalho escravo na área rural, apontou o relatório. De um lado, poucos grandes proprietários de terras controlam a economia política do país. De outro lado, encontra-se uma população rural vulnerável e empobrecida.

Intermediários dos grandes proprietários rurais, conhecidos como 'gatos', recrutam com indivíduos junto às populações marginalizadas para trabalhar, de modo informal, em fazendas de gado, carvoarias e plantações de cana-de-açúcar. 

Uma vez no local de trabalho, os trabalhadores descobrem condições degradantes ou exploratórias, com muitas evidências apontando para o não pagamento ou sub-pagamento de salários, ausência de saneamento adequado, de equipamentos de proteção e vestuário, ou mesmo de água corrente ou eletricidade.

A avaliação da literatura levou os pesquisadores a concluir que existe uma relação de mão-dupla entre as mudanças climática, degradação ambiental e a escravidão moderna para os setores e em determinadas regiões geográficas. A possibilidade é de que se instale um ciclo vicioso, pelo qual as diferentes elos se reforcem mutuamente.

Uma melhor compreensão de como a escravidão moderna se relaciona com as mudanças climáticas e a degradação ambiental depende de mais pesquisa, alertaram os pesquisadores. É preciso realizar mais levantamentos empíricos e aprofundados sobre o tema.

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